Contexto
Ao ler e interpretar uma revisão sistemática, as sínteses quantitativas (metanálises) são frequentemente consideradas uma das partes mais desafiadoras. Essa barreira inicial ocorre devido a diversos fatores, e o conhecimento de certos conceitos é fundamental para a compreensão desta etapa da revisão sistemática.
Entre esses conceitos estão: intervalos de confiança (IC) https://eme.cochrane.org/intervalos-de-confianca-o-que-e-e-como-interpreta-lo/) [1], o tamanho amostral e seu impacto na metanálise, as medidas de tamanho de efeito e, ainda, a abordagem de variância inversa utilizada (fator que pode superestimar ou subestimar o tamanho do efeito estudado) [2].
Métodos de variância inversa
Os métodos de variância inversa são componentes da análise estatística de metanálises, utilizados para auxiliar na estimativa do tamanho do efeito das intervenções. Eles podem ser empregados tanto na avaliação de variáveis dicotômicas (eventos positivos/amostra total) quanto contínuas (média, desvio padrão) [3].
No método da variância inversa, o peso atribuído a cada estudo da metanálise é inversamente proporcional ao quadrado de seu erro-padrão. Ou seja, quanto maior a amostra de um estudo (e, consequentemente, menor o erro-padrão), maior será sua contribuição para o cálculo do IC da metanálise. Essa abordagem permite, assim, minimizar a imprecisão na estimativa do efeito combinado [2].
Habitualmente, os modelos utilizados são o “modelo de efeitos fixos” e o “modelo de efeitos aleatórios”.
Modelo de efeitos fixos
O modelo de efeitos fixos parte do princípio de que os efeitos das intervenções seguem a mesma magnitude e direção em todos os estudos que compõem a metanálise. Assume-se que todas as variáveis dos estudos (aplicação da intervenção, população, método de mascaramento, etc.) são semelhantes, ou até mesmo idênticas, e que as possíveis diferenças observadas entre os resultados se devem única e exclusivamente ao acaso ou ao erro amostral. Assim, as heterogeneidades dos estudos são desconsideradas.
Esse modelo é adequado quando se acredita que os estudos avaliam os mesmos efeitos, da mesma forma, em populações muito semelhantes — o que é quase sempre impossível de se afirmar. Ele costuma conferir maior peso a estudos com grandes populações e é mais preciso na estimativa de tamanho de efeito, pois gera IC mais estreitos ao assumir que há pouca variação entre os resultados dos estudos metanalisados.
Modelo de efeitos aleatórios
Neste modelo, presume-se que os resultados dos estudos incluídos na metanálise sigam uma distribuição normal (a curva de Gauss ou curva em forma de sino) e que as diferenças observadas nesses resultados se devam não somente ao acaso, mas também às diferenças existentes entre os próprios estudos, como as de população (diversidade ou heterogeneidade clínica ou metodológica).
Esse modelo se encaixa em metanálises nas quais se espera que haja variabilidade entre os estudos devido a diferenças nas populações, nos métodos ou em qualquer outro fator em sua composição. Ele se aproxima mais da realidade do que o modelo de efeitos fixos, mas atribui um peso significativo a estudos pequenos [2]. Além disso, ele é considerado mais conservador na estimativa de tamanho de efeito, pois gera IC mais amplos ao assumir que há sempre algum grau de inconsistência (heterogeneidade estatística) entre os estudos metanalisados.
Exercícios
Sugerimos que você leia as duas revisões sistemáticas a seguir, observe e discuta com seus colegas os resultados obtidos com o uso dos diferentes modelos de efeitos.
Etomidate as an induction agent for endotracheal intubation in critically ill patients: A meta-analysis of randomized trials – https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0883944123000667?via%3Dihub [4].
Association Between Administration of Systemic Corticosteroids and Mortality Among Critically Ill Patients With COVID-19: A Meta-analysis. https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2770279 [5].
Conclusão
De modo geral, há razões específicas para a escolha de um dos dois modelos de efeitos, e muitas vezes pode haver diferenças no tamanho ou até na direção do efeito estimado de uma intervenção, com um impacto significativo nas conclusões de uma revisão sistemática. Conhecer estes modelos, as razões para sua utilização e seu impacto nos resultados é fundamental para interpretar corretamente uma revisão sistemática.
Autores: Marco Aurélio Donadeli Hadad de Lima, Maria Eduarda de Castro, Marwin Welligton de Souza Vilela, Matheus Aparecido de Toledo, Ricardo Moysés Peixoto e Yuri Yokoyama do Nascimento. Alunos de graduação da Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Supervisores: Rachel Riera, professora adjunta, Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Citar como: Lima MADH, Castro ME, Vilela MWS, Toledo MA, Peixoto RM, Nascimento YY. Efeitos fixos e aleatórios em metanálises. Estudantes para Melhores Evidências. Cochrane. Disponível em: [adicionar link da página da web]. Acessado em: [adicionar dia, mês e ano de acesso].
Referências
- Oliveira ASMF, Barros CP. Intervalo de confiança: o que é e como interpretá-lo. Estudantes para melhores Evidências Cochrane. Disponível em: https://eme.cochrane.org/intervalos-de-confianca-o-que-e-e-como-interpreta-lo/. Acessado em 13 de novembro de 2023.
- Deeks JJ, Higgins JPT, Altman DG (editors). Chapter 10: Analysing data and undertaking meta-analyses. In: Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, Cumpston M, Li T, Page MJ, Welch VA (editors). Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions version 6.4 (updated August 2023). Cochrane, 2023. Disponível em: www.training.cochrane.org/handbook. Acessado em 13 de novembro de 2023.
- Martimbianco ALC, Riera R. Saúde baseada em evidências: conceitos, métodos e aplicação prática. Atheneu. 1a edição. 2022.
- Kotani Y, Piersanti G, Maiucci G, Fresilli S, Turi S, Montanaro G, Zangrillo A, Lee TC, Landoni G. Etomidate as an induction agent for endotracheal intubation in critically ill patients: A meta-analysis of randomized trials. J Crit Care. 2023;77:154317. doi: 10.1016/j.jcrc.2023.154317. Epub 2023 Apr 29. PMID: 37127020.
- WHO Rapid Evidence Appraisal for COVID-19 Therapies (REACT) Working Group; Sterne JAC, Murthy S, Diaz JV, Slutsky AS, Villar J, Angus DC, Annane D, Azevedo LCP, Berwanger O, Cavalcanti AB, Dequin PF, Du B, Emberson J, Fisher D, Giraudeau B, Gordon AC, Granholm A, Green C, Haynes R, Heming N, Higgins JPT, Horby P, Jüni P, Landray MJ, Le Gouge A, Leclerc M, Lim WS, Machado FR, McArthur C, Meziani F, Møller MH, Perner A, Petersen MW, Savovic J, Tomazini B, Veiga VC, Webb S, Marshall JC. Association Between Administration of Systemic Corticosteroids and Mortality Among Critically Ill Patients With COVID-19: A Meta-analysis. JAMA. 2020;324(13):1330-1341. doi: 10.1001/jama.2020.17023. PMID: 32876694; PMCID: PMC7489434.